terça-feira, 22 de abril de 2008

"...Que Há Tempo Para Chorar... Mas Ninguém Tem Tempo Para Chorar Com a Gente..."

"...Que Há Tempo Para Chorar... Mas Ninguém Tem Tempo Para Chorar Com a Gente..."
Eu tinha mais ou menos doze anos, era moleque cheio de bicho de pé no pé, estava nas terras de Pernambuco e toda minha família resolveu ir para Recife. Eu estava muito aborrecido, porque a minha vontade não era ficar ali. Nós morávamos num barreirão, para andar era horrível. Naquela época chovia muito no Nordeste, era tudo verde, bonito, dava muita cana; milho e mandioca nunca faltavam no tempo da seca. Hoje é que não chove mais.
Estava eu lá e fui trabalhar na venda do Sr. Nunico, a qual era boa e bem abastecida. Perto da venda, montaram um circo grande e fiquei "doido" por causa desse circo, só que não tinha como eu assistir o espetáculo, porque trabalhava pela rapadura, pela farinha, pelo feijão, pela carne de sol e pelo torresmo. Era só isso, tudo muito regrado e ainda apanhava quando chegava em casa. Era uma tristeza!...
Tive um recurso... Cheguei na porta do circo e disse:
-Depois que o Sr. Nunico fechar a venda, tem como eu trabalhar aqui para, então, ver o espetáculo?
Um homem meio triste, virou para mim e disse:
-Se você quiser trabalhar de "amarra-cachorro"!?!...
-"Amarra-cachorro"?... Vou ter que fazer o quê? Amarrar os cachorros aqui?
-Não! "Amarra-cachorro" faz o que a gente manda e apanha sem reclamar.
-Mas se for para ver o palhaço Pururuca, que dizem ser o palhaço melhor do mundo, que conta coisas tão lindas, eu quero!
Ele disse:
-Você gosta do palhaço Pururuca? Você já o viu?
-Não! Mas vocês já fizeram espetáculo e eu fiquei sabendo que o palhaço Pururuca é muito bom.
Ele falou:
-Você está falando com ele.
-Você é o palhaço Pururuca?
-Eu sou! Depois que pinto a cara, coloco as minhas roupas, eu fico diferente. Não tem graça nenhuma eu ficar fazendo graça para um menino como você, que quer ser só "amarra-cachorro" na vida. Você não quer fazer mais nada não?
-Eu não sei, mas acho que quando eu estiver mais velho vou cair no cangaço.
-Cruz credo, oh! cabra da peste! Você não serve não?
-A minha família é pobre, não vou conseguir ser soldado, não vou conseguir estudar, o que vai restar para mim nesse mundo de Deus? Vou ter que me defender. Não estou aqui me defendendo no circo?
-Mas o que você vai ser no circo?
-Vou ser "amarra-cachorro"! Não tenho coragem de largar minha mãe. Só saio de casa depois que minha mãe e meu pai morrerem, antes disso, não saio de casa de jeito nenhum.
-Menino! Toma jeito nessa cabeça, onde se viu, cair no cangaço? Você ficou doido! Vai ser "amarra-cachorro" de qualquer circo!
Eu falei:
-Olha, deixa eu ver o Pururuca? Eu quero ver o Pururuca lá no picadeiro.
Ele falou:
-Você vai ser "amarra-cachorro", vai limpar o circo, arrumar as cadeiras, vai fazer tudo que mandarmos, aí deixo você ficar lá no fundo do picadeiro vendo-me e ajudando-me. Vou lhe arrumar uma roupa vermelha para me ajudar.
Foi meu dia e minha noite de glória!
Eu fiquei ali, tinha que trabalhar no Sr. Nunico, mas chegou a noite e eu falei:
-Sr. Nunico, posso ir? Estou no circo.
Ele falou:
-Se trabalhar dobrado depois que o circo for embora durante um mês, eu deixo.
Trato feito, trato cumprido.
Fui eu para lá. Dava 8 horas, estava eu no circo, todo iluminado por lampião e eu vendo o Pururuca. Era minha alegria. Ninguém e nada era igual a ele. Quando chegava fazendo suas graças, como eu ficava feliz, como eu ria. Quando ele mandava eu pegar as coisas e levar para ele, eu me sentia o rei dos reis.
Eles ficaram uns vinte dias na cidade. Foram vinte dias de glória, de alegria, de satisfação. Mas perto deles irem embora, uns três dias antes deles seguirem, a mulher do Pururuca estava para dar à luz o primeiro filhinho deles. Ele estava nervoso. Tinham chamado uma parteira, mas o espetáculo não podia parar. E ele perguntava ao público:
-Então, o palhaço o que é?
E todos respodiam:
-É ladrão de "muié"!
Mentira! Pururuca não era ladrão de mulher nenhuma. A mulher dele estava lá, numa tenda, passando os maiores apuros para dar à luz ao primeiro filhinho. Era uma moça bonita, trabalhava o dia todo, alisava a barriga e dizia:
-Aqui tem um Pururuquinha!
Eu achava uma graça e o Pururuca dizia:
-Se Deus quiser, meu filho quando crescer não vai ser palhaço, nem polícia, nem cangaceiro. Vai ser um homem de fé.
E na noite em que o circo estava lotado, pois era a sua despedida, a mulher do Pururuca, que já estava duas noites com a parteira, deu início ao trabalho de parto e o Pururuca estava na hora de entrar no picadeiro. O dono do circo falando:
-Pururuca, eu sei que você tem seus problemas, mas o espetáculo continua. Quem é artista não pode chorar nem faltar. Só morto! Pare de pensar em sua mulher, porque tudo quanto é mulher passa por isso.
-Mas eu tenho a minha mulher!
-Vai dar tudo certo!
Uma hora depois, quando os trapezistas já tinham saído e as moças estavam cantando, a parteira chegou. O Pururuca de cara pintada, calça larga, falou:
-E então? Não ouvi o neném chorar.
Ela disse:
-Pururuca, quem vai chorar, infelizmente, é você. A sua mulher e o neném não escaparam. Foi hemorragia demais, foi um parto muito difícil. Vou ter que arrumá-la agora ou se você quiser entrar para vê-la, pode entrar.
E o dono do circo dizia:
-E então Pururuca, vem ou não vem?
Pururuca enxugou a lágrima que caia, segurou a parteira no ombro e falou:
-Arrume-a, eu quero vê-la bem bonita.
Ele foi para o picadeiro. E ninguém riu tanto com o Pururuca como naquela noite. Ninguém bateu mais palmas para o Pururuca como naquela noite.
Era a noite de despedida do circo, que tinha que deixar uma imagem boa, pois quando lá voltasse, as pessoas teriam a certeza de que o espetáculo era mesmo bom.
Era a última noite do Pururuca ao lado da sua mulher e do Pururuquinha, que não chegou a nascer.
Meus irmãos, a vida é assim... Cheia de alegrias e tristezas. Principalmente o artista que aprende a rir chorando, aprende a fazer o espetáculo de cada noite, com o coração amargurado.
Aquele que quiser viver e vencer no mundo, tem que ser, também, como o artista, que deixa a dor bater no peito e não faz ninguém pagar por ela, que é só sua e que carrega na alma.
Quantas são as casas que "nós" chegamos e o homem aborrecido com os problemas do serviço, briga com a mulher, bate nos filhos. Quantas mulheres aborrecidas, cansadas com as suas labutas do dia-a-dia, o marido chega, ela o xinga, briga com a vizinha, bate nos filhos...
Nós temos que ver que toda hora é hora para chorar, mas que temos que fazer da vida um momento feliz, um momento de amor, um momento de picadeiro, onde se faz palhaçada, mas que temos a vida, o sofrimento da gente.
Quantas vezes vocês foram no circo e viram o palhaço gargalhar, gritar? Vocês pensaram alguma vez que aquele palhaço poderia estar doente? Poderia trazer dentro de si um câncer? Poderia ter no mundo uma filha perdida? Poderia estar ali por ter perdido toda família?
O Pururuca me deu uma grande lição, que me acompanhou pela vida a fora...
"Que há tempo para chorar... Mas ninguém tem tempo para chorar com a gente." As pessoas só querem rir com a gente, chorar, não querem. No momento de chorar, choramos sozinhos, no nosso canto.
Por isso, aprendam a chorar com alegria no coração, lembrando que, às vezes, a pessoa que mais sorri é aquela que mais esconde a dor dentro do coração.
Que o espetáculo da Terra continua e, às vezes, aquele que é dono do espetáculo, é o que mais sofre, mais se sacrifica, mais chora, é aquele que mais sorri.
Todos vocês aprendam que a vida continua. Temos que lutar, que aprender cada dia as lições que as pessoas nos ensinam. E o Pururuca enterrou naquela terra a sua esposa tão querida, o seu filhinho e foi pelo mundão a fora:
-Hoje tem espetáculo?
-Tem, sim sinhô!
-E o palhaço, o que é?
-É ladrão de "muié"!
Mentira! O palhaço é o grande dono do espetáculo da vida. Só ele esconde a tristeza no camarim e vai para o picadeiro fazendo todo mundo alegre.
Um dia eu estava no pátio do Nosso Lar, chegando de uma caravana, quando vi um homem muito triste sentado lá, olhei e disse:
-Esse homem está meio velho mas me lembra alguém.
Quando conheci Pururuca eu era menino. Aí, me dirigi a ele:
-Escute, como o senhor se chama?
-Antônio.
-Sua voz não me é estranha.
-Eu não fui nada, não sou nada, fui um palhaço na Terra.
Quando ele falou: "Fui um palhaço na Terra", eu disse:
-Pururuca! Você é o Pururuca?
-Onde você me conheceu?
-Você se lembra do "amarra-cachorro", da venda do Sr. Nunico?
-Eu não! Foram tantos "amarra-cachorro" pela vida, que eu não me lembro.
-Por que você está triste, Pururuca? Você fazia todo mundo alegre.
-Porque minha vida foi triste. Os outros é que sorriam. Mas eu nunca sorri, eu sempre chorei.
-Ah, Pururuca! Tenho um serviço para você. Tem uma colônia de meninos que vieram da Terra, todos deixaram seus pais chorando, todos choram de saudades. Estão num pavilhão, onde muitos morreram de câncer, leucemia e acidente. Todos estão lá precisando de alegria. Você não quer ser a alegria deles, oh! Pururuca?
-Mas eu já estou velho.
-Nós damos um jeito na sua cara. Você não sabe que aqui nós "reformamos" tudo? Aqui é um reformatório, reforma por fora e por dentro.
-Se você me arrumar uma roupa, quem sabe se não dou uma recordada em tudo aquilo que fiz? Eu posso alegrar a meninada sim, só que eu preciso da autorização do superior. Aqui a gente só tem superior... Superior...
-Você espera? Dá um tempo, que eu vou ver isso.
Entrei com o pedido no Ministério para ver se o Pururuca poderia realizar um trabalho de ajudar a criançada do pavilhão, os meninos doentes.
E armamos lá um circo colorido com pipocas, algodão doce, com chocolates.
Um cirurgião plástico, que era daqueles experientes em cirurgia "fluídica", reformou a cara do Pururuca. Ele remoçou, ficou novo, vestiu a roupa larga que fizeram para ele e foi fazer o seu espetáculo. Ele chegou no circo com muita alegria, que, em especial, só tinha meninos com olhinhos tristes, que tinham saudades do papai e da mamãe. Ele chegou e gritou bem forte:
-Hoje tem espetáculo?
-Tem, sim sinhô.
-E o palhaço, o que é?
-É ladrão de "muié".
-Mentira! É paizão de todas as crianças que estão chorando no céu.
-E o palhaço, o que é?
-É amigo de menino, é amigo de menina, é o patrono da alegria, é o patrono da fé.
-Hoje tem espetáculo, meninada?
-Tem, sim sinhô.
-Com Jesus Nosso Senhor!
(Psicofonia recebida pela médium Shyrlene S. Campos, Uberlândia-MG)
http://home.arcor.de/grupo/mentores/grosso_main.htm

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